Sobrecarga acumulada e pressão estética: como o idadismo afeta a vida das mulheres idosas

Muntt Jocen
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OMinistério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançou a campanha “Respeito a todas as fases da vida”, com o intuito de sensibilizar a sociedade sobre o preconceito e as violências praticadas contra pessoas idosas. Para além das pautas compartilhadas, o órgão alerta para as questões que atingem mais especificamente o público feminino – como a sobrecarga acumulada e pressão estética pela juventude. A mobilização ocorre durante todo o mês, em alusão ao Junho Violeta.

Convidado pela Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (SNDPI) e pela Assessoria Especial de Comunicação Social (Ascom) – ambas do MDHC –, o médico, escritor, professor universitário e especialista em envelhecimento ativo, Egídio Dórea, ressalta a importância do enfrentamento do idadismo para combater a violência contra as pessoas idosas. Segundo o especialista, os conceitos estão diretamente ligados.

“O idadismo é o maior legitimizador da violência. Quando a gente pensa em combater a violência contra idosos, nós temos que nos conscientizar e combater o idadismo que existe em nós, na sociedade, nas instituições como um todo e na nossa cultura, que é uma cultura patriarcal e idadista”, afirma. De acordo com o acadêmico, o termo idadismo engloba os preconceitos e discriminações contra as pessoas com 60 anos ou mais.

Vivências

Moradora de São Sebastião (DF), Fátima de Sousa, de 55 anos, relata que sente a cobrança de todos os lados desde muito nova. “Sou a filha mais velha e sempre tive que cuidar dos meus irmãos. Meus filhos nasceram e tive que cuidar deles e do marido. Não tive acesso a um ensino de qualidade e atualmente trabalho como empregada doméstica. Os sinais do cansaço estão estampados no meu rosto. Minha aparência física me entristece, mas não tem nada que eu possa fazer sobre isso no momento. Não tenho tempo e disposição para atividades físicas e nem recursos financeiros para recorrer a clínicas de estética”, afirma.

Aos 63 anos, Lourdes Gomes, de Planaltina (DF), conta que tenta dar o melhor de si, apesar das circunstâncias não contribuírem. “Faço caminhada, passo um protetor solar e esse é o pouquinho que posso fazer por mim todos os dias. Ser mulher não é fácil. Se algo der errado na criação dos filhos, casamento ou qualquer área que seja, a culpa é nossa. Eu, inclusive, já sou separada. Já passou da hora da sociedade mudar e deixar de ser tão machista”, completa.

Sobrecarga

No que se refere ao público feminino, o médico Egídio Dórea explica que a sobrecarga acumulada, especialmente por mulheres, começa já no início da vida. O especialista alerta que a mulher é ensinada e incentivada desde a infância a ser uma cuidadora. “Quando a mulher recebe a primeira boneca, o ato que ela tem é de cuidar, desde muito cedo ela já é capacitada a isso, ela é ‘domesticada’ a cuidar, e isso vai acontecendo durante o curso de vida dela. Como eu falei, nós vivemos em uma sociedade patriarcal, onde os homens têm uma série de privilégios sociais e no trabalho”, observa.

Entre os exemplos, o professor comenta que a mulher para de trabalhar quando se torna mãe, e o homem não para de trabalhar quando se torna pai, uma situação que ceifa uma série de oportunidades do ponto de vista profissional. Para além dos filhos, geralmente é a mulher que também tem que cuidar dos pais ou até mesmo dos sogros. “A mulher assume uma dupla carga de cuidado e isso vai fazendo com que, ao longo dessa vida, ela vai perdendo as oportunidades de evoluir do ponto de vista profissional e, muitas vezes, do ponto de vista pessoal também”, acrescenta.

Mercado de trabalho

Egídio enfatiza que, quando a mulher decide voltar à atuação profissional, ela vai enfrentar o idadismo no mercado de trabalho, que começa muito antes de completar a idade cronológica de 60 anos. “Quando a gente fala de idadismo no mercado de trabalho, a gente estabelece como 50 anos, mas em alguns locais, aos 30 anos, você já é vítima do preconceito, como na indústria de moda e informática”, lamenta aos destacar que, mesmo quando a mulher consegue retornar, ela enfrenta salários mais baixos.

“Em resumo, a mulher sofre muito durante todo o curso de vida. Quando ela resolve priorizar a questão profissional, e não a questão familiar, existe toda a opressão da sociedade de que a mulher tem que casar, de que a mulher tem que ser mãe. Agora, com o envelhecimento populacional, a mulher é cobrada até para aumentar efetivamente a taxa de fecundidade dos países. Existe toda essa questão de que, mais uma vez, a mulher vai sendo deixada de lado, as suas prioridades, suas escolhas vão ser deixadas de lado para obviamente contemplar a expectativa de uma sociedade que é focada no adultocentrismo e no homem”, observa.

Pressão estética

Para o médico Egídio Dórea, toda essa cobrança social acaba refletindo também na questão da aparência física da mulher, cobrada a não demonstrar cansaço e esgotamento. Na sociedade em geral, é cobrado que a mulher pinte os cabelos e sempre tenha uma aparência jovial.

“Na pandemia houve relatos de mulheres que perderam seus empregos por não poderem ir ao salão e deixarem de pintar os cabelos. Quando a mulher resolve assumir o cabelo grisalho, ela corre o risco de ser despedida por passar uma imagem de velha. Essa cobrança com a mulher é mais contundente inclusive porque a juventude na mulher representa também a questão reprodutiva e, durante toda a história da sociedade, foi tido como principal objetivo da mulher reproduzir”, observa.

Com isso, muitas mulheres fazem de tudo para tentar omitir o envelhecimento. “Daí, obviamente, o fato das grandes indústrias de beleza e de cosméticos lucrarem trilhões de dólares por ano no mundo. E isso não tende a diminuir, porque está tendo essa pressão em faixas etárias cada vez mais jovens. Hoje em dia tem mulheres antes dos 20 anos de idade que já estão fazendo botox. Tem uma cobrança da mídia social que é muito grande, então você tem que parecer perfeito nas redes sociais”, conta.

Relações de poder

O médico especialista em envelhecimento ativo ressalta que, na sociedade patriarcal, quem vai ser a maior vítima é a mulher porque ela representa a minoria, mesmo que não seja minoria demográfica, mas do ponto de vista do estabelecimento de uma relação de poder.

“Nessas relações de poder, tem um adulto que estabelece uma relação de poder com o velho e a criança. Tem o homem que estabelece uma relação de poder com a mulher, tem um branco que estabelece uma relação de poder com o negro. Uma mulher negra e velha, por exemplo, enfrenta várias intersecções desses preconceitos”, exemplifica.

Currículo

Egídio Lima Dórea é médico do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), professor de medicina da Universidade São Caetano do Sul, coordenador da Universidade Aberta à Terceira Idade da USP – USP 60+, diretor da organização Ativen, autor do livro “Idadismo – um mal universal pouco percebido” e membro da Comissão de Direitos Humanos da USP.

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