Nátaly Neri: ‘Tudo é político e tudo também pode ser belo e estético’

Muntt Jocen
By Muntt Jocen 378 Views
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A beleza pode ajudar a transformar o mundo. Isso porque repensar padrões estéticos e ampliar conceitos são práticas com potencial para levar a comportamentos mais gentis, justos e inclusivos. No Brasil, esse movimento ganha impulso pelas mãos de mulheres que decidiram trabalhar com propósito e fazer a diferença. Uma delas é Nátaly Neri, criadora de conteúdo digital e especialista em sustentabilidade

Quem acompanha conteúdos sobre sustentabilidade e clean beauty conhece Nátaly Neri. Uma das principais criadoras digitais do segmento, foi também uma das primeiras a falar sobre a beleza para além da estética. Em seu canal do YouTube, criado em 2015, ela publica vídeos com tutoriais e dicas de lifestyle que são, na maioria das vezes, permeados por questões sociais.

Em meio ao imediatismo induzido pelas redes sociais, Nátaly prefere praticar o slow blogging, movimento que ela define como uma forma de produzir materiais de uma forma mais consciente, consistente e profunda. “Comecei a perceber que tudo é político e tudo também pode ser belo e estético. Eu vivo, contemplo, absorvo e só depois compartilho.”

O ínicio

“O pontapé para iniciar o canal aconteceu na faculdade, quando eu cursava ciências sociais. Eu era trancista e pensei em juntar minha expertise com os conhecimentos que absorvia na universidade, porque percebi que poderia abordar o assunto em perspectivas técnicas, raciais e teóricas.

Eu quis trabalhar com moda de beleza ao longo de toda a minha adolescência. Mas também sempre fui muito atraída pelas discussões e pautas sociais. Então, quando escolhi a minha universidade, senti que estava abandonando uma parte da Nátaly adolescente, que gostava de costurar e fazer trança nos cabelos de todo mundo. E com o meu canal, consegui unir esses dois universos.

No início, o nome do perfil era ‘Afros e afins’, porque o foco era fundamentalmente sobre as relações raciais. Eu consumia muito conteúdo sobre cabelo crespo e só fui entender que o meu processo com os meus fios estava 100% ligado ao racismo na universidade.

A partir disso, eu fiquei pensando que o canal era um espaço rico para abordar questões sociais, mesmo que inconscientemente. Porque as pessoas não chegavam até mim buscando sobre a relação entre o racismo e o cabelo crespo. Mas ao procurar sobre como finalizar o cabelo, elas se deparavam comigo, finalizando meus cachos e falando sobre o assunto, por exemplo.

Eu imaginava jovens negras de cabelos alisados ou crespos que, assim como eu, poderiam estar tentando entender porque doía tanto de alisar os fios. E como eu poderia complementar e mostrar ainda mais portas e ferramentas nesse processo. Então, foi aí que foquei também meu conteúdo inicialmente.”

Clean beauty e sustentabilidade

“Eu fui construindo meu interesse por sustentabilidade ao longo dos anos, justamente, porque nunca tive referências, não cresci pensando nisso. Mas sempre valorizei muito a beleza, eu sempre quis ser bonita. Só que fui entendendo que ‘ser bonita’ era mais difícil para alguns corpos nesse país. Quando não tinha produto para o meu tipo de cabelo, quando não tinha base para minha pele, por exemplo… E essa ausência me trouxe a busca de conhecimento, porque eu buscava formas de autonomia.

Foi procurando um curso de maquiagem natural, por exemplo, que eu achei, finalmente, uma base para o tom do meu rosto. E era vegana, feita por mim. Foi assim também no cuidado com o meu cabelo, com a minha pele.

Com a falta, eu passei a fazer cosméticos que se adequassem ao meu corpo, já que eles não estavam disponíveis no mercado. Isso há uns sete anos, hoje o mercado já evoluiu bastante. Porém, por conta disso, hoje eu não aceito aplicar no meu corpo um hidratante com componentes que eu não conheça, que não sejam limpos e ecológicos.”

As belezas

“Beleza para mim é uma forma de tornar a minha existência mais leve e mais confortável. E é também uma maneira de poder falar sobre questões importantes, como veganismo, sustentabilidade, questões raciais, porque tudo envolve beleza.

E é necessário democratizar o assunto. Isso se faz quando se entende que não existe uma beleza só, são várias. Que cabem em todos os tamanhos, em todas as texturas, em todos os tons de pele, em todos os formatos de cabelo, de nariz, de boca, de cintura.

Por isso, eu acho que não existe a democratização da beleza sem a destruição da Beleza. Quando entendermos que todos podem se sentir confortáveis com o corpo que têm, o significado do conceito também muda. “

Passo a passo na internet

“Eu analiso muito a minha trajetória na internet dando peso ao meu senso de propósito. Porque sem ele, eu teria aumentado muitos meus ganhos, mas talvez estaria muito perdida nos meus caminhos.

Falar sobre moda sustentável, beleza vegana e cruelty free me limita muito comercialmente. Mas é graças a esse limite que eu consigo fazer um trabalho consistente, com responsabilidade. E, assim, garantir para as pessoas que, quando elas me veem anunciando ou me envolvendo com alguma marca, houve uma pesquisa, um aprofundamento antes de fechar o trabalho. Eu tenho respeito por mim e por elas.

E há sempre um equilíbrio entre a Nátaly como ativista, com as suas ideologias, e a Nátaly como empresária. É no meio dessa ponte, entre esses dois lugares, que eu me encontro.

Nesse processo, eu encontro parceiros – com consistência e parcimônia – de uma forma muito mais lenta do que se eu não tivesse todos os meus propósitos. E consigo construir o meu caminho com muito mais calma. É claro que o tempo da internet é muito rápido e as pessoas podem conquistar bens muito e transformar a vida delas muito rapidamente. Mas, da mesma forma, acredito que sem a confiança da nossa comunidade, essas coisas se perdem.”

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